Buenas, em tempos de semana farroupilha, mesmo que o final seja trágico, vale a pena contar este causo, um tanto que verídico, e que traduz um pouco o sentimento de luta do gaúcho, que mesmo sabendo que o pior é inevitável, luta com todas as suas forças até o fim, sem se entregar, sempre valente.
A história se passa no litoral gaúcho, em épocas de carnaval, portanto de grande esbórnia etílica. Como de praxe, o xirú guasca, do qual vou preservar o nome, estava navegando em mares de cervejas, a noites e dias. Para curar a resssaca, rumou para a praia com a pândega, municiado de um isopor abarrotado de latinhas.
Lá estando, o vivente teve um aborrecimento intestinal provavelmente provocado pelo excessivo consumo do sumo de cevada, ou seja, deu vontade do índio cagar.
A vida é cruel. O índio, antes um xirú grosso e de pouco trato, era agora um sujeito estudado, e teve um sentimento ecológico de poupar a casa da mãe Iemanjá do despejo in natura do que outrora fora suas refeições (depois confessou que teve medo de ser pego cagando com as calças na mão, vai que baixa a maré bem na hora, com toda praia assistindo). Melhor tomar o rumo de casa.
E foi o que fez o xirú. A casa era pertinho da praia, pensou. Mas perto e longe é relativo. Uma coisa é andar cinco quadras sem estar necessitado, outra é andar dois quarteirões com o bucho cheio de bosta, sentindo a pressão provocada pelos baldes de cerveja borbulhando no intestino. Quem já se viu apertado, em situação semelhante, sabe bem como é, a buchada fica como um Carandirú super lotado, com tudo o que está preso querendo sair, em uma terrível pressão.
Só que o xirú era guasca, tinha sangue gaudério, e por ser gaucho enfrentou o perigo, de peito aberto e alma valente. Levantou-se, avisou a cambada e foi-se em direção a casa, sofrego, cambaleando, com o olhar fixo e a mente focada. Não houve teta suculenta ou bunda de sereia que tirasse a concentração do vivente, que saiu flutuando pela areia quente, atravessando o basalto fervilhante, cerrradito.
Mas como já disse, a vida é cruel. Tem a lei de Murphy, que diz que nada tá tão ruim que não pode ficar pior, que quando cai o pão, cai sempre com o schmier pra baixo, coisa e tal. E foi verdade.
O xirú chegou em frente ao portão da casa e.... fechado. A merda gritando por liberdade, um vulcão de bosta em plena erupção e a bosta do portão fechado. Chaveado. E a chave lá na distante praia. E agora, o que fazer?
Na hora o xirú lembrou do dito gaudério: não podemo se entrega pros home, de jeito nenhum! Isso mesmo, porque não tá morto quem peleia. E o xirú voltou rumo a praia, suando frio, troteando igual cachorro manco.
Chegou na praia, sério, reto e objetivo, sem falar uma palavra, pegou a chave e se pôs novamente rumo ao cafofo. Pobre vivente, imaginem o desespero de manter a honra limpa e intacta. Como evitar o pior? Como escapara incólume disto tudo? Não tá morto quem peleia, pensou novemente.
O caminho agora era muito maior, o sol muito mais quente, e o Carandirú muito mais borbulhante.
O olhar antes aflito, agora era de total desespero. Não podia correr, se não o bicho pegava. Não podia parar, porque o bicho também pegava. E foi-se o xirú, como uma boitatá de olhos de fogo, que deixa pelo pampa seu rastro de luz, o guasca se esgueirava pelo caminho, deixando nuvens do vapor daquela panela de pressão abarrotada de chucrute cozido e recozido pelo suco gástrico do vivente.
A cada dez passos, uma parada estratégica, para suportar a pressão. Bodoso cerrado, olhos esbugalhados, sem sequer respirar, em um total desespero. Pois não é que o xirú venceu a porfía e chegou até a frente da casa, invicto, sem sujar sua bandeira. E rompeu a primeira de três portas, acertando a chave de cara. Deus está olhado por mim, pensou, não tem como perder esta luta. Imagine, em dez opções, acertou de cara, na primeira.
Já na segunda porta, não teve tanta sorte, ou rezou pouco, vai saber. A chave certa não era a que estava na mão, tampouco era a do lado, ou a do outro lado. Vai saber. O desespero deixa a pessoa cega, e na guerra, o sujeito sempre tem que estar lúcido, sóbrio (isso era impossível, era Carnaval...)mesmo que sejas valente e destemido, só vencerá se tiveres a mente iluminada.
Viu-se então o xirú frente a frente com a Velha Senhora, que abria seus longos braços para abraçar o bravo guerreiro. O pior era inevitável, o fim estava próximo e se desenhava triste, teria que achar a chave, abrir a porta e chegar até a outra porta. Entregar-se? Jamais!!!
Sou do Sul, Deus é Gaúcho, e não podemos se entregar pros homens, de jeito nenhum, amigo e companheiro, não tá morto quem luta e quem peleia, e lutar é a alma do campeiro! Pensou o xirú: não tá morto quem peleia.
E realmente não estava, mas os urubus já rondavam a carniça e agora era manter o mínimo de dignidade possível. Jogou fora sua bandeira manchada pela derrota, limpou suas feridas, abriu mais uma gelada e retornou rumo a praia. O que é um peido pra quem tá cagado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário